Engraçado e esclarecedor, não deixe de ler esse depoimento de um
jornalista
sobre os casos recentes de febre amarela silvestre que apareceram na
mídia.
fonte: Sakamotofonte:http://blogdosakamoto.blig.ig.com.br/
Minhas malárias e a febre amarela dos outros
Eu não dou muita sorte com mosquitos.Peguei minha primeira malária em 1998, quando cobri a guerra pela independência de Timor Leste. Tinha recebido autorização para passar uns dias em um acampamento da guerrilha na selva e lá devo ter sido mordido pela primeira vez. Comecei a passar muito mal ainda em Timor e fiz a pior viagem de avião da minha vida entre Jacarta e São Paulo. Febre alta, enjôo, longas diarrééééééééias, sensação de ter tomado cacetada nas juntas por parte da polícia militar na saída de estádio de futebol.
Chegando no Brasil, uma longa internação, com os olhos tingidos de cor-de-ovo-de- galinha-caipira, perda de peso, fora os delírios e a freqüente visita de estudantes de enfermagem para poder conhecer, vejam só, um caso avançado da doença. Tudo coroado pelos efeitos do quinino na vida sexual – ainda que temporários, frisemos. No ano seguinte, durante a cobertura da guerra civil angolana, peguei a dita de novo. E de novo o maldito plasmódio falciparum – bicho ruim, ave do tinhoso, coisa do tranca-rua – que dos tipos de malária é o que mata mais rápido e ligeiro.
Pelos cálculos, devo ter pego a pereba em Calulo, província de Cuanza Sul, quando visitava uns campos de refugiados. Considerando que lá é terra da famigerada mosca tsé-tsé, aquela sirigaita que causa a doença do sono, até que fiquei no lucro só com a febre terçã maligna. Lembrando da experiência agradável do ano anterior, resolvi voltar para o Brasil mais cedo a ter que ficar mais uma semana nos belos hospitais de Angola.Além do mosquito da malária, também conheci o da dengue, doença que peguei no interior da bela e dura Paraíba durante uma reportagem. Como não era da hemorrágica (não se enganem, dá para pegar essa na primeira vez e não só na reincidência) , foi mais tranqüilo. O Tylenol virou meu melhor amigo por uma semana. OK, houve outras perebas, mas paro por aqui para não estragar o dia de ninguém.
Toquei nesse assunto por causa dos casos recentes de febre amarela silvestre que apareceram na mídia. Estou com minha vacina em dia (os 10 anos de validade só vencem em julho deste ano) e confio no doutor Drauzio Varella, que avalia que não há um surto e não risco para as áreas urbanas. Ou seja, a febre amarela sempre existiu no país. E a dengue. E a malária. E uma série de outras ligadas a falta de saneamento básico.Só como exemplo: Cerca de dois milhões de pessoas morrem anualmente no mundo por causa da malária e outros 300 milhões pegam a doença – a quase totalidade oriundos de países ou regiões pobres do planeta. É claro que a relação de Casos letais/Investimento em cura é maior nas doenças que acometem a parte rica da população do que a parte pobre. A pesquisa para a busca da cura do câncer recebe muito mais que pesquisas para doenças causadas por parasitas que afetam multidões.
Como diriam: é a economia, estúpido!) Além disso, quando uma pessoa que tem acesso a recursos privados de saúde, como eu ou o doutor Drauzio (que pegou febre amarela e narrou a experiência no belo livro “O Médico Doente”), fica ruim, há chance maior de cura do que alguém que depende do SUS.Com o conhecimento técnico que temos hoje, não é possível erradicar doenças como a malária e a febre amarela. Além disso, a ocorrência dessas moléstias é mais intensa em regiões de fronteira agrícola, no contato do ser humano com áreas preservadas. E o Terceiro Mundo ainda tem muita floresta para ser vítima da motosserra e da ganância. Se bem que, no ritmo que andam as coisas, em breve talvez não haja mais floresta para contar história. Se isso acontecer, também não teremos que nos preocupar com mosquitos.
Aliás, com nada mais, porque o planeta terá se transformado numa caldeira quente e a vida como conhecemos ido para o beleléu.Mas se não é possível erradicar, há ações importantes para controlá-la. Tanto do ponto de vista de prevenção, quanto do tratamento e de informação à sociedade. Todas as mortes são tristes e devem ser pranteadas, mas que elas sirvam para lembrar que as classes altas jogam assuntos (principalmente os que interessam aos mais pobres) para baixo do tapete. Como, por exemplo, o fato que parte da população vive no século 21 da medicina, enquanto outros ainda engatinham pela Idade Média das filas em hospitais, dos remédios inacessíveis, da falta de saneamento básico e da inexistência de ações preventivas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário